O poema deve ser lido muito devagar, com suspiros entre os versos e variações na entonação vocal conforme o personagem em cada linha. Sei que não precisa dizer, mas os raios de luz coloridos (azul, rosa e bege) em colunas no cenário ajudam a situar as alternâncias das entradas dos elementos.
Os três personagens são totalmente diferentes quanto ao padrão de movimento. O cavalo-marinho desliza, sem pressa. A concha se abre e se fecha, lentamente. Quieta. E a pérola, ah, essa quando foge é como uma criança brincando. Mas todos são muito nobres e delicados. É assim que imagino a realização do poema: com elegância e total delicadeza.
Os eventos não se sucedem de forma linear: encadeiam-se como uma trança irregular. Os movimentos de aproximação do cavalo-marinho vão se sobrepondo ao abrir e fechar da concha. Até que eles se tocam. Nesse encontro, a pérola se solta da ostra. Liberta-se. Rola, passeia livre, leve, solta, mas sujeita à doce lei da gravidade marinha. Ostra e cavalo-marinho assistem a esse devaneio. A concha se fecha. Ele se vai.
Se tudo isso fosse música, como seria? Bem, você escolhe. Seguem apenas algumas sugestões.
A aproximação do cavalo-marinho sugere um aumento da intensidade, um crescendo gradativo. O mesmo ocorre com relação à concha: o som mais ao longe vai crescendo com a aproximação.
O fluxo rítmico do cavalo-marinho suscita sons longos entremeados por pausas expressivas, como se fossem pequenos "galopes". Notas longas de um cello seriam perfeitas, ou sons vocais com boca chiusa. O abrir e fechar da concha insinua movimentos ascendentes e descendentes, como pequenos glissandi na flauta, na marimba ou no xilofone. A pérola pula, pica, bate nas pedras e aterrissa na areia, sugerindo sons curtos e agudos, brilhantes e aveludados.
Ouço o arranjo nas formações instrumentais as mais variadas: três instrumentos de sopro, ou três instrumentos de cordas, ou três de percussão, com a região grave para o cavalo-marinho, a média para a concha, a aguda para a pérola. Ou três instrumentos quaisquer (bem escolhidos) de naipes diferentes; três naipes de instrumentos de percussão de sala de aula, três fontes sonoras feitas de sucata ou objetos musicais, três crianças ao piano, ai, ai...
Vá correndo experimentar com os alunos! É muito enriquecedor registrar a audiopartitura com todas as indicações de andamento, caráter, instrumentação e dinâmica.
Se quiser atiçar a inspiração, clique no link http://dl.dropbox.com/u/15280243/Cavalo-marinho.wma para ouvir a canção Cavalo-marinho, nas vozes de Giovanna, Verenna e Nathalia Menezes. Observe como o acompanhamento do piano sugere o movimento do bichinho: toma embalo e desliza, sucessivas vezes, subindo do grave para o médio. Em alguns versos as vozes se dividem: uma permanece no registro médio e as outras ficam mais agudas. Você pode imprimir a partitura dessa canção lá embaixo, ao final da página.
Cavalo-marinho
Cecília Cavalieri França
No fundo do mar Tanta cor, não pode ser
há um segredo colorido Tão ligeiro e pequenino
Doce cavalgar Tão difícil de esquecer
escondido Cavalo-marinho
Cavalo-marinho
Cecília Cavalieri França
No fundo do mar Tanta cor, não pode ser
há um segredo colorido Tão ligeiro e pequenino
Doce cavalgar Tão difícil de esquecer
escondido Cavalo-marinho
Agora veja este trecho extraído do imperdível Memórias inventadas, de Manoel de Barros (2008, p.31):
Nas férias toda tarde eu via a mesma lesma no quintal. Era a mesma lesma. Eu via toda tarde a mesma lesma se desprender de sua concha, no quintal, e subir na pedra. E ela me parecia viciada. A lesma ficava pregada na pedra, nua de gosto.
Que tal experimentar transformá-lo em um misto de audiopartitura, poema sonoro, poema concreto e vontade-de-ser-desenho-animado? Depois me conte, por favor?
2 comentários:
Olá, vc pode disponibilizar a música outra vez? Fui no link pra matar a saudade e não deu certo
Amei! Queria muito ouvir a musica, mas o link não esta mais disponível.
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