Charme, mistério, paixão, melancolia, nostalgia, boemia. Adjetivando-se: poético, dramático, profundo, fatal, feminino e masculino. Não há como sair ileso. Impossível ficar indiferente.
Todas as noites, Buenos Aires se entrega à sonoridade e aos passos do tango. Nasceu nos subúrbios da cidade de uma combinação de elementos de origem italiana, espanhola, crioula, cubana e negra. Tangó era o nome do lugar onde os negros se reuniam; tangano, uma dança africana; tango, uma onomatopeia ou um jeito de se (tentar) falar a palavra tambor. Com passos da milonga, ritmos do candombe, melodias da habanera, toques do flamenco e da canção italiana, mas fortemente identificado com a cultura portenha, o tango fala de sentimentos universais (pelo menos, do universo dos apaixonados, melancólicos, dramáticos). O compasso 2/4 sofre mudanças de andamento sem nenhuma cerimônia, sem pudor de confessar o sentimento, de reconhecer que, como os tangueros, ora pisamos confiantes, expansivos, ora arrastamos os pés de um lado a outro, ou nos recolhemos.
Antes de surgir em forma de canção, tango era uma maneira de se dançar. Pelo seu caráter sensual e ousado, que transgredia os "bons modos", era discriminado pela classe alta. Além da sensualidade da dança, a criatividade da improvisação e a variedade dos passos fascinavam expectadores. Os primeiros tangos eram tocados pelo violão e pela flauta. Foram convidados o piano, o violino, o contrabaixo e, como protagonista, o bandoneon. Este instrumento é originário da Alemanha, mas sua vocação para o tango estava escrita: "qualquer um que tenha um bandoneon sobre os seus joelhos tem um destino inevitável, que é o tango", afirma Rodolfo Mederos. O instrumento respira: inspira e expira como um outro corpo junto ao do instrumentista. Uma escultura localizada em uma praça da Recoleta sintetiza a cumplicidade música-músico-dançantes: Con El Fuelle Adentro, de Leo Vinci.
A sensação chegou à Europa no começo do século XX e abalou Paris, cidade então movida a bailes. De lá ganhou o mundo e caiu no gosto das rodas sofisticadas e dos contextos, digamos, mais "familiares". A partir do fim da Primeira Guerra Mundial, surgiu o tango-canção. As letras e os cantores passaram a ser mais valorizados, especialmente devido à voz e ao charme de Carlos Gardel (1890-1935). Não se sabe se teria nascido “Carlos” no Uruguai ou “Charles” na França, mas o que importa é que se fez Gardel na Argentina. Dizia: “nasci em Buenos Aires aos dois anos e meio de idade”. Levou o tango a Paris, aportou em Hollywood, imortalizou canções e arrebatou multidões. Da sua parceria com Alfredo La Pera nasceram clássicos como Mi Buenos Aires querido, El dia que me quieras, e Por uma cabeza, que você pode ouvir neste link: http://dl.dropbox.com/u/15280243/Por%20una%20Cabeza.wma. Morreu precocemente em um desastre aéreo em 1935, deixando mais de 900 gravações entre tangos, fox-trots, fados e outros gêneros.
O tango seguiu sua sina. Nos anos 40 e 50, as letras tornaram-se mais românticas, mas a música ainda era protagonista: dançava-se aos suspiros que o tango inspirava. Na década de 60, quando o rock'n roll surgiu como fenômeno mundial, entrou numa fase de ostracismo, mantendo-se em pequenos e apaixonados núcleos de resistência. Até que Astor Piazzolla (1921-1992) o reergueu, revolucionando o gênero: inventou um tango erudito, de influência contemporânea e jazzística, não para se dançar, mas para se tocar e ouvir, com ritmos complexos e novas cores harmônicas. Minha peça favorita é Le Grand Tango, para cello e piano, cheio de romantismo em um ambiente sonoro urbano e vigoroso. Na internet há alguns vídeos da peça, incluindo uma versão com Gidon Kremer ao violino (http://www.youtube.com/watch?v=eamRlKTe7rU). Não deixe de ver também o próprio compositor ao bandoneon interpretando Adios Nonino (http://www.youtube.com/watch?v=VTPec8z5vdY).
O repertório instrumental e cantado é enorme e há tangos para diferentes gostos.
Para a performance instrumental das crianças, gosto das peças do livro Palitos Chinos de Violeta Gainza: El treinta y três e Homenaje a Pizzolla, que é uma adaptação do tema Invierno porteño de Piazzolla. O tema consiste de frases em sequência melódica cujo ritmo é característico da escrita do compositor (Exemplo 1).
Em seu trabalho para iniciantes ao piano, Duetos populares, Ricardo Nakamura inclui um tango melancólico, de frases longas e poéticas, com harmonias piazzollianas, entitulado Severino em Buenos Aires. Você pode ouvir duas versões: piano a quatro mãos (http://dl.dropbox.com/u/15280243/Severino%20em%20Buenos%20Aires%20%28piano%20a%204%20m%C3%A3os%29.wma ) e conjunto instrumental (http://dl.dropbox.com/u/15280243/Severino%20em%20Buenos%20Aires%20%28acompanhamento%29.wma). A criança pode improvisar sobre a versão instrumental, experimentando sequências melódicas com o movimento característico em zigue-zague (Exemplos 1 e 2), notas alteradas, ritmos característicos, contratempos, síncopes, etc.
Todas as noites, Buenos Aires se entrega à sonoridade e aos passos do tango, seja nas ruas, nos shows para turistas no Café Tortoni ou nos recantos “bandoneon à luz de velas”. Atualmente, a vedete é outra vez a dança. O repertório inclui os melhores tangos para se dançar. Mas como se costuma dizer na cidade, "Carlos Gardel está cantando cada vez melhor".
Referências:
Gainza. V. H. Palitos Chinos (Chop-Sticks): para la iniciación ao piano. Buenos Aires: Barry, 1987.
Nakamura, R. Duetos Populares: 12 peças a quatro mãos para o iniciante de piano, v.1. Brasília, 2006.
Fontes:
http://www.tangobh.br.tripod.com/
http://www.lunaeamigos.com.br/cultura/tangoargentino.htm
http://www.esto.es/tango/espanol/historia.htm
http://www.welcomeargentina.com/tango/historia.html
http://www.anosdourados.net.br/internacional/latino.htm