Mestre, você agora é um morador celeste. Obrigada por nos deixar a sua música, tão cheia de energia, de cores e de delicadeza. Aqueles arpejos e ritmos de dar nó fazem o improvável parecer indispensável.
Obrigada pelas peças da sua Cartilha rítmica que, interpretadas por Sarah Cohen, emprestam-se à apreciação musical pelas crianças no meu livro Para fazer música 1. Deixe-me homenageá-lo contando como isso acontece.
São três peças marcantes, cheias de personalidade e de vitalidade. A primeira chama-se Dois tempos simultâneos com quiálteras a 3 vozes: Maria ao mundo oferece quem vem salvá-lo: Jesus. Ela é bem doce e intimista. A estrutura irregular das frases é arredondada pelas quiálteras de três semínimas sobre duas semínimas e pelo movimento de quiálteras de cinco colcheias na mão esquerda sempre que a direita repousa. Depois de muitas notas docemente alteradas, a peça termina com um acorde perfeito maior. Clique para ouvir: http://dl.dropbox.com/u/15280243/Maria.wma.
A segunda peça é Pulsação fixa de 3 colcheias com articulações de 3 semicolcheias, que dura apenas 12 segundos. É bem rápida e mantém um ostinato na mão esquerda articulado de três em três notas, sobre o qual se desenrola uma melodia em grupos de três notas ascendentes em sequência, até que a direção é invertida e os grupos de três notas descem quase até o ponto inicial. Um único gesto, que dispara e retorna. Clique para ouvir: http://dl.dropbox.com/u/15280243/Pulsa%C3%A7%C3%A3o.wma.
A terceira, Maracatus do Recife II: Esquema rítmico do maracatu, tem motivos repetidos que utilizam o ritmo característico desse gênero - a síncope entre grupos de duas colcheias - sobre padrões de quatro semicolcheias e de quiálteras, que vão acelerando até um corte abrupto. Clique para ouvir:
http://dl.dropbox.com/u/15280243/Maracatu.wma.
Mesmo que as crianças não compreendam as questões composicionais técnicas das peças, elas percebem a singularidade rítmica e expressiva de cada uma, podendo manifestar sua compreensão por meio da corporeidade, da regência intuitiva e da grafia analógica, produzindo mini-audiopartituras para representá-las. A princípio, esses registros tendem a ser "pessoais e intransferíveis". À medida que a percepção e a grafia se refinam, a notação pode ser melhor definida para registrar a ideia musical de forma cada vez mais aprimorada.
Antes da escuta e eventual grafia das peças, é interessante que as crianças façam o caminho contrário: analisar e transformar em música mini-audiopartituras gráficas como estas (você pode imprimir a imagem no link lá embaixo).
Para realizá-las, é preciso observar todos os detalhes. Durações, caráter e estrutura são sugeridos pelo traço, pela forma e, digamos, pelo assunto.
A primeira é formada por três cartões em forma ABA. O primeiro e o último apresentam linhas contínuas sinuosas, ascendentes e descendentes, com alguns "respingos" de sons curtos. A parte central sugere a morosidade de uma lesma carregando sua casa nas costas: um som contínuo, piano, lento, muito lento, enrolando-se. Algum elemento na sonorização precisa sugerir esse movimento de dentro para fora (ou de fora para dentro).
Na segunda, o que mais chama a atenção é o tema: choro. Seguir o traço dos desenhos é simples: dois sons em curva, separados por um expressivo silêncio, gotas caindo e se acumulando numa poça sonora. Mas choros podem ser de tristeza, de alegria, de emoção, de saudade, de arrependimento... Como traduzir sonoramente padrões psicodinâmicos tão subjetivos?
A terceira é composta de quatro diferentes eventos, guardando entre si a semelhança do material, sons curtos e longos organizados em diferentes desenhos melódicos e estruturais. O último guarda unidade com os anteriores apenas pela presença do curto e longo, mas sugere uma caracterização expressiva diferente, engraçada ou irritante, talvez.
A quarta é um grupo de espirais sonoras, rápidas, justas, girando sobre si mesmas como um pião. A quinta tem um conteúdo pictórico mais filosófico: o ser pensante refletindo, questionando, exclamando... A última tem a forma bem nítida com dois eventos alternados até a coda surpreendente, formando um ABABAC. Seguir o traço? Seguir o tema?
A realização é livre. Todas as soluções criativas são legítimas, mas deve-se cuidar para que sejam também legitimamente musicais, que guardem coerência tanto quanto originalidade, que tenham um impacto sonoro que prenda a atenção, que expressem argumentos com convicção. Essas mini-audiopartituras apresentam diferentes arranjos estruturais; o fluxo ora é mais discursivo, ora mais articulado; os eventos são ora repetidos, ora transformados. Sobre esses esboços, as melodias podem ser delicadas, animadas, engraçadas, dramáticas... Os ritmos podem ser tranquilos, apressados, irregulares, saltitantes... O caráter expressivo pode ser giocoso, melancólico, engraçado, dramático, solene, militar, dolce... Um apetitoso menu degustação dentro de um universo musical de fácil manejo.
Caro José Antônio de Almeida Prado, morador celeste, inspire-nos sempre!
Obrigada, obrigada, obrigada.
Bem-vindo ao meu blog! Aqui você encontrará fundamentos, dicas de atividades, de projetos, de repertório e de bibliografia, artigos, resenhas, partituras, gravações etc. Experimente as ideias, invente outras, comente, compartilhe, dê sugestões de temas... Você, que também é apaixonado pela educação musical, conte comigo. Todos os dias.
SORTEIO
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29 novembro 2010
26 novembro 2010
Educação-musical-ambiental 2 - Valsa da aranha
Como educadora-ambientalista-musical (ou será educadora-musical-ambientalista?) comunico que não mato mais aranhas e até fiz uma valsa para elas.
Foi uma daquelas magricelas que me inspirou. Sempre tive pavor, mesmo das mais magricelas. Naquele dia, só fiquei olhando. Ela me encantou. A perfeição da teia era de tirar o chapéu. Uma obra de arte. Descobri que o problema das aranhas não era pessoal, tipo assim, comigo. O lance delas é comer insetos. E mesmo que elas comessem mulheres, eu não caberia na boca delas.
Mas outro dia matei um enxame de louva-a-deus recém-nascidos pensando que fossem gafanhotos, daqueles que obrigam formigas ao trabalho escravo.
Estamos começando nosso trabalho de educação-musical-ambiental aqui no blog com propostas que promovam o desenvolvimento de uma relação de amor com o planeta e com todos os seres viventes. “Meio ambiente” é um dos temas transversais mais prementes da educação. Precisamos construir valores e atitudes responsáveis, passando pela ecologia sonora, acústica, tecnologia e cidadania. Toda 6ª feira é dia de educação-musical-ambiental aqui no blog (veja também a postagem do dia 19 de novembro).
Vamos à valsa: compasso 3/4, segundo tempo ligeiramente deslocado, 3º tempo quase sempre em pausa. O tema consiste de um intervalo de 3ª maior ascendente (dó-mi) seguido de uma 3ª menor ascendente (dó-mib), e umas firulas cromáticas em ritmo pontuado para “a aranha tece”. A segunda frase tem a mesma estrutura, primeiro com o intervalo de 3ª menor (ré-fá), depois o de 3ª maior (ré-fá#), sugerindo que “a teia cresce”. O mesmo na terceira frase, com a terça menor se abrindo pela nota mais grave (mi-sol, mib-sol). A última frase é um desfile cromático descendente, igualzinho a uma aranha descendo de rapel ou tirolesa, tão corajosa que merece bis. A partitura pode ser impressa no link lá embaixo.
Foi uma daquelas magricelas que me inspirou. Sempre tive pavor, mesmo das mais magricelas. Naquele dia, só fiquei olhando. Ela me encantou. A perfeição da teia era de tirar o chapéu. Uma obra de arte. Descobri que o problema das aranhas não era pessoal, tipo assim, comigo. O lance delas é comer insetos. E mesmo que elas comessem mulheres, eu não caberia na boca delas.
Mas outro dia matei um enxame de louva-a-deus recém-nascidos pensando que fossem gafanhotos, daqueles que obrigam formigas ao trabalho escravo.
Estamos começando nosso trabalho de educação-musical-ambiental aqui no blog com propostas que promovam o desenvolvimento de uma relação de amor com o planeta e com todos os seres viventes. “Meio ambiente” é um dos temas transversais mais prementes da educação. Precisamos construir valores e atitudes responsáveis, passando pela ecologia sonora, acústica, tecnologia e cidadania. Toda 6ª feira é dia de educação-musical-ambiental aqui no blog (veja também a postagem do dia 19 de novembro).
Vamos à valsa: compasso 3/4, segundo tempo ligeiramente deslocado, 3º tempo quase sempre em pausa. O tema consiste de um intervalo de 3ª maior ascendente (dó-mi) seguido de uma 3ª menor ascendente (dó-mib), e umas firulas cromáticas em ritmo pontuado para “a aranha tece”. A segunda frase tem a mesma estrutura, primeiro com o intervalo de 3ª menor (ré-fá), depois o de 3ª maior (ré-fá#), sugerindo que “a teia cresce”. O mesmo na terceira frase, com a terça menor se abrindo pela nota mais grave (mi-sol, mib-sol). A última frase é um desfile cromático descendente, igualzinho a uma aranha descendo de rapel ou tirolesa, tão corajosa que merece bis. A partitura pode ser impressa no link lá embaixo.
Valsa da Aranha
Cecília Cavalieri França
Tece, tece Prende, prende
A aranha tece Quem aparece
Cresce, cresce Seja bicho grande ou pequenino
A teia cresce Ele desaparece (bis)
Clique para ouvir: http://dl.dropbox.com/u/15280243/04%20Valsa%20da%20Aranha.wma
O arranjo de cordas é inteiramente realizado pelo violoncelo.Voz: Isabela Santos; cello: Isabelle Alves; arranjo: Luiz Enrique.
Clique para ouvir: http://dl.dropbox.com/u/15280243/04%20Valsa%20da%20Aranha.wma
O arranjo de cordas é inteiramente realizado pelo violoncelo.Voz: Isabela Santos; cello: Isabelle Alves; arranjo: Luiz Enrique.
(Você já sabe: pode imprimir as imagens no link lá embaixo na página).
Compassos ternários são excelentes para o trabalho de percepção e realização do apoio, ou acento métrico. Binários e quaternários podem ser ambíguos. Ternários, nunca. As crianças podem dançar e andar solenemente marcando apenas os tempos fortes com os pés. Vencida essa etapa, deve-se trabalhar a coordenação entre dois movimento diferentes: um para o apoio e outro para as demais pulsações (exemplos: pés x palmas; palmas x estalos etc). O melhor da festa é realizar os modos rítmicos com instrumentos.
Essa partitura é bem simples, para os pequenos. O tambor marca os apoios; o triângulo, as demais pulsações. O quadrinho pontilhado significa pausa. O acompanhamento de percussão segue a mesma estrutura das frases da canção. Gradativamente, os arranjos podem ser incrementados, cuidando-se para que sejam coerentes e musicais. As próprias crianças devem criar suas versões e experimentar possibilidades.
Espero que essa doce postagem estimule as pessoas a olharem as aranhas de outra maneira. No meu caso, continuo olhando-as da mesma maneira: de longe.
Curiosidades (para as crianças) - respostas para as perguntas da semana passada
É possível ouvir o silêncio?
Hum... não é, não. O silêncio absoluto não existe no nosso planeta. Mesmo no lugar mais silencioso haverá algum inseto ou algum som de fundo. Na Grande Pirâmide de Gizé, no Egito, existe uma sala chamada Câmara do Rei que é à prova de som. Lá dentro, em silêncio total, é possível ouvir o som da nossa respiração e até mesmo do nosso sangue circulando nas veias. Onde há ar, o som se propaga. Somente no vácuo haverá silêncio absoluto. (Grimshaw, C. Som: uma jornada que transforma o silêncio em som. Editora Callis, 1998, p.25)
O que são ondas sonoras?
Quando os objetos se movimentam, eles vibram e fazem o ar à sua volta oscilar, produzindo ondas de ar. Essas ondas chegam aos nossos ouvidos e são transformadas em informações que o nosso cérebro interpreta como sons. Tudo isso acontece em milésimos de segundos! Barulhos muito fortes fazem até o nosso corpo vibrar. Você já sentiu?
Pergunta para a próxima semana:
Quem é o melhor ouvinte do planeta?
Curiosidades (para as crianças) - respostas para as perguntas da semana passada
É possível ouvir o silêncio?
Hum... não é, não. O silêncio absoluto não existe no nosso planeta. Mesmo no lugar mais silencioso haverá algum inseto ou algum som de fundo. Na Grande Pirâmide de Gizé, no Egito, existe uma sala chamada Câmara do Rei que é à prova de som. Lá dentro, em silêncio total, é possível ouvir o som da nossa respiração e até mesmo do nosso sangue circulando nas veias. Onde há ar, o som se propaga. Somente no vácuo haverá silêncio absoluto. (Grimshaw, C. Som: uma jornada que transforma o silêncio em som. Editora Callis, 1998, p.25)
O que são ondas sonoras?
Quando os objetos se movimentam, eles vibram e fazem o ar à sua volta oscilar, produzindo ondas de ar. Essas ondas chegam aos nossos ouvidos e são transformadas em informações que o nosso cérebro interpreta como sons. Tudo isso acontece em milésimos de segundos! Barulhos muito fortes fazem até o nosso corpo vibrar. Você já sentiu?
Pergunta para a próxima semana:
Quem é o melhor ouvinte do planeta?
24 novembro 2010
A expressividade dos sons curtos e longos - Atividades 2
O tema “ritmo” ou “durações” apoia-se primordialmente na duração relativa dos sons. Da combinação de sons curtos e longos, acrescidos de silêncios e acentos, derivam-se todos os padrões rítmicos. Estes podem ser regulares, ou seja, medidos ou métricos, associados ao pulso constante; ou podem ser irregulares, aleatórios, não métricos. Ambos, padrões de sons regulares e irregulares, ocorrem tanto na música quanto na natureza e no cotidiano.
Esse aspecto do universo musical é talvez o que se preste de maneira mais imediata à expressão pelo movimento - um dos principais fundamentos da educação musical - e à representação gráfica, ou analógica. Como o nome indica, esta se baseia na analogia entre propriedades do campo auditivo e do visual. Sons remetem-nos a formas visuais e vice-versa.
No processo de musicalização a escrita analógica tende a se desenvolver naturalmente. Pontos, linhas, contornos, emaranhados e arabescos surgem como continuidade da movimentação pelo espaço. Enquanto a escrita tradicional no pentagrama requer longo aprendizado, a notação analógica é quase inequívoca: sons curtos são representados por pontos ou traços horizontais pequenos; sons longos, por traços mais compridos. Assim, a notação rítmica analógica pode ser precisa, aproximada ou indefinida conforme o contexto rítmico seja regular ou irregular.
Inúmeras estratégias são empregadas para se trabalhar a relação entre sons curtos e longos na educação musical. Atividades de reação a estímulos sensoriais táteis (toques no corpo), visuais (seguir a regência), sonoros (reagir aos sons ouvidos), com bola, de exploração da grafia, leitura, trabalho com material concreto proporcional e outros são bastante conhecidos.
Mas, muitas vezes, essas atividades se limitam ou se encerram no trabalho de reconhecimento e de reprodução sonora, não raro de maneira mecânica, pouco musical. Na verdade, permanecem focados no âmbito dos materiais sonoros, apenas, sem que haja uma exploração expressiva ou uma abordagem estrutural desses materiais.
Afinal, para que as crianças irão aprender a distinguir, reproduzir e grafar sons curtos e longos senão para transformá-los em música? A ideia é que, partindo-se dos sons, sejam delineados gestos expressivos e estruturas musicais.
Padrões de sons curtos terão um caráter expressivo completamente diferente se realizados em andamento rápido ou lento; forte ou piano; grave ou agudo; pela voz ou por instrumentos (essa experimentação por si só já é extremamente musical!). Sons longos podem conter um crescendo, movimentar-se entre o grave e o agudo, criar sensação de repouso ou de expectativa.
Curtos e longos podem se combinar de diversas maneiras, em sobreposições, justaposições, contrastes súbitos ou mudanças gradativas. Podem dialogar, alternando-se de maneira equilibrada, com intervalos de silêncio ou não; uns podem se destacar sobre os outros ao fundo. Enfim, é um vasto menu para experimentação, improvisação e composição.
A audiopartitura abaixo tem dois estratos: um com sons curtos, repetidos, mais agudos, sem alterações do começo ao fim; outro com um som contínuo que se move à vontade dentro do registro médio-grave.
Nessa atividade aparentemente simples surgem oportunidades para escolhas seriamente artísticas e estéticas. Como não há nenhuma indicação, a audiopartitura pode ser realizada em andamento rápido ou lento; em intensidade forte ou piano; com caráter delicado ou nervoso; como chuva sobre um horizonte montanhoso; como marteladas e serra elétrica numa carpintaria; como o tic-tac do relógio e o ronco do seu avô.
Depois de experimentar várias possibilidades de realização da audiopartitura, ouça uma gravação da peça Tartarugas, do Carnaval dos animais, de Camile Saint-Saens. http://dl.dropbox.com/u/15280243/St%20Saens%20Tartarugas.wma
Observe como as escolhas feitas pelo compositor determinaram o caráter doce e solene da peça. O piano surge realizando acordes no registro médio, em dinâmica piano. Geralmente, em uma peça para piano e orquestra, é o primeiro que faz o solo, acompanhado pela orquestra. Em Tartarugas, a inversão de papéis é saborosa. Sobre o acompanhamento do piano entram as cordas, no registro médio-grave, em pianíssimo, realizando uma melodia tranquila, legato, em frases longas e dilatadas no tempo - tão dilatadas, que quase não se reconhece a melodia do Can-can, tema de Offenbach. Aqui esse tema é completamente transformado: a melodia das dançarinas, rápida e articulada, desaparece e dá lugar às enormes frase em legato, solenes e misteriosas, serenas e velhas como as tartarugas - as grandes, no caso. Não lhe parecem velhas as tartarugas?
Uma experiência sublime é vivenciar a percepção dos dois estratos (piano e cordas) por meio do movimento, realizando-se uma partitura viva. Formam-se dois grupos: um no círculo externo, movendo-se e expressando com gestos a linha dos acordes do piano, leves mas com personalidade; o outro grupo, ao centro, realiza as longas e elegantes frases das cordas, sustentadas como movimentos de Tai Chi Chuan. Depois, inverte-se: sons curtos ao centro, legatos na roda. Ora os acordes envolvendo as linhas das cordas, ora estas contendo os sons do piano. Uma escultura dançante!
Através do movimento, nosso corpo faz a mediação entre o domínio visual e o auditivo. Volte à audiopartitura inicial e ouça a peça mais uma vez. Como lhe parecem ambas, música e partitura, após essas experiências?
Quanto mais oportunidades de escuta e experimentação, mais as crianças poderão colher, dentre um amplo repertório de ideias, inspiração para as suas próprias criações musicais, usando instrumentos convencionais ou alternativos, voz, percussão corporal e movimento. Reciprocamente, podemos partir de notações simples e criar e mundos sonoros extraordinários.
Que tal fazer música a partir desses incríveis estímulos?
Para o pintor Wassily Kandinsky, a linha é um ponto em movimento.
“Nunca, antes de Klee, havia-se deixado uma linha sonhar” (Bergson, em O olho e o espírito”, de Merleau-Ponty, 1961).
Deleite-se!
22 novembro 2010
O cavalo-marinho, a concha e a pérola - Poema sonoro 1
O cavalo-marinho, a concha e a pérola é um misto de audiopartitura, poema sonoro, poema concreto e vontade-de-ser-desenho-animado.
O poema deve ser lido muito devagar, com suspiros entre os versos e variações na entonação vocal conforme o personagem em cada linha. Sei que não precisa dizer, mas os raios de luz coloridos (azul, rosa e bege) em colunas no cenário ajudam a situar as alternâncias das entradas dos elementos.
Os três personagens são totalmente diferentes quanto ao padrão de movimento. O cavalo-marinho desliza, sem pressa. A concha se abre e se fecha, lentamente. Quieta. E a pérola, ah, essa quando foge é como uma criança brincando. Mas todos são muito nobres e delicados. É assim que imagino a realização do poema: com elegância e total delicadeza.
Os eventos não se sucedem de forma linear: encadeiam-se como uma trança irregular. Os movimentos de aproximação do cavalo-marinho vão se sobrepondo ao abrir e fechar da concha. Até que eles se tocam. Nesse encontro, a pérola se solta da ostra. Liberta-se. Rola, passeia livre, leve, solta, mas sujeita à doce lei da gravidade marinha. Ostra e cavalo-marinho assistem a esse devaneio. A concha se fecha. Ele se vai.
Se tudo isso fosse música, como seria? Bem, você escolhe. Seguem apenas algumas sugestões.
Agora veja este trecho extraído do imperdível Memórias inventadas, de Manoel de Barros (2008, p.31):
O poema deve ser lido muito devagar, com suspiros entre os versos e variações na entonação vocal conforme o personagem em cada linha. Sei que não precisa dizer, mas os raios de luz coloridos (azul, rosa e bege) em colunas no cenário ajudam a situar as alternâncias das entradas dos elementos.
Os três personagens são totalmente diferentes quanto ao padrão de movimento. O cavalo-marinho desliza, sem pressa. A concha se abre e se fecha, lentamente. Quieta. E a pérola, ah, essa quando foge é como uma criança brincando. Mas todos são muito nobres e delicados. É assim que imagino a realização do poema: com elegância e total delicadeza.
Os eventos não se sucedem de forma linear: encadeiam-se como uma trança irregular. Os movimentos de aproximação do cavalo-marinho vão se sobrepondo ao abrir e fechar da concha. Até que eles se tocam. Nesse encontro, a pérola se solta da ostra. Liberta-se. Rola, passeia livre, leve, solta, mas sujeita à doce lei da gravidade marinha. Ostra e cavalo-marinho assistem a esse devaneio. A concha se fecha. Ele se vai.
Se tudo isso fosse música, como seria? Bem, você escolhe. Seguem apenas algumas sugestões.
A aproximação do cavalo-marinho sugere um aumento da intensidade, um crescendo gradativo. O mesmo ocorre com relação à concha: o som mais ao longe vai crescendo com a aproximação.
O fluxo rítmico do cavalo-marinho suscita sons longos entremeados por pausas expressivas, como se fossem pequenos "galopes". Notas longas de um cello seriam perfeitas, ou sons vocais com boca chiusa. O abrir e fechar da concha insinua movimentos ascendentes e descendentes, como pequenos glissandi na flauta, na marimba ou no xilofone. A pérola pula, pica, bate nas pedras e aterrissa na areia, sugerindo sons curtos e agudos, brilhantes e aveludados.
Ouço o arranjo nas formações instrumentais as mais variadas: três instrumentos de sopro, ou três instrumentos de cordas, ou três de percussão, com a região grave para o cavalo-marinho, a média para a concha, a aguda para a pérola. Ou três instrumentos quaisquer (bem escolhidos) de naipes diferentes; três naipes de instrumentos de percussão de sala de aula, três fontes sonoras feitas de sucata ou objetos musicais, três crianças ao piano, ai, ai...
Vá correndo experimentar com os alunos! É muito enriquecedor registrar a audiopartitura com todas as indicações de andamento, caráter, instrumentação e dinâmica.
Se quiser atiçar a inspiração, clique no link http://dl.dropbox.com/u/15280243/Cavalo-marinho.wma para ouvir a canção Cavalo-marinho, nas vozes de Giovanna, Verenna e Nathalia Menezes. Observe como o acompanhamento do piano sugere o movimento do bichinho: toma embalo e desliza, sucessivas vezes, subindo do grave para o médio. Em alguns versos as vozes se dividem: uma permanece no registro médio e as outras ficam mais agudas. Você pode imprimir a partitura dessa canção lá embaixo, ao final da página.
Cavalo-marinho
Cecília Cavalieri França
No fundo do mar Tanta cor, não pode ser
há um segredo colorido Tão ligeiro e pequenino
Doce cavalgar Tão difícil de esquecer
escondido Cavalo-marinho
Cavalo-marinho
Cecília Cavalieri França
No fundo do mar Tanta cor, não pode ser
há um segredo colorido Tão ligeiro e pequenino
Doce cavalgar Tão difícil de esquecer
escondido Cavalo-marinho
Agora veja este trecho extraído do imperdível Memórias inventadas, de Manoel de Barros (2008, p.31):
Nas férias toda tarde eu via a mesma lesma no quintal. Era a mesma lesma. Eu via toda tarde a mesma lesma se desprender de sua concha, no quintal, e subir na pedra. E ela me parecia viciada. A lesma ficava pregada na pedra, nua de gosto.
Que tal experimentar transformá-lo em um misto de audiopartitura, poema sonoro, poema concreto e vontade-de-ser-desenho-animado? Depois me conte, por favor?
20 novembro 2010
Materiais sonoros, caráter expressivo e forma – Fundamentos 2
Sons se tornam música. Incorporam expressividade, fazendo brotar impressões, climas, sensações e emoções. Sugerem ansiedade ou monotonia, hesitação ou completude. Escolhas na organização dos elementos sonoro-musicais determinam o caráter expressivo e a articulação estrutural de uma peça. Por exemplo: graus conjuntos (notas vizinhas) produzem uma sensação espacial e psicológica diferente de saltos imprevisíveis, assim como variações de registro (grave ou agudo), do tamanho das frases (longas e discursivas, ou curtas e irregulares), de andamento (rápido ou lento), de articulação (legato ou stacatto) etc (Swanwick; Taylor, 1982; Swanwick, 1994). Motivos se encadeiam a outros motivos, formando frases e seções em sequências de contrastes graduais ou súbitos, que confirmam ou quebram expectativas que construímos no decorrer da escuta (França, 2003). É possível observar esses pequenos milagres perceptivos e psicológicos ocorrendo até mesmo em uma pequena canção como esta, chamada Garimpeiro (para imprimir a partitura, clique no link lá embaixo, ao final da página; para ouvir a gravação, clique aqui: http://dl.dropbox.com/u/15280243/Garimpeiro.wma; vozes: Nathalia Assunção, Rodrigo Coelho e Luiz Enrique).
Imprima a figura no link lá embaixo |
GARIMPEIRO
Cecília Cavalieri França
(Lê-lê-lê-lê-lê-lê-lê-lê-lê-ô)
Garimpeiro que não é de ferro quer encontrar
um bocadinho d'ouro pra descansar
Garimpeiro pela noite adentro vai batear
Ouro maior está no coração
um bocadinho d'ouro pra descansar
Garimpeiro pela noite adentro vai batear
Ouro maior está no coração
A introdução começa com uma percussão de efeito, que sugere sons de água, e com um som de violão melancólico, contemplativo. Aos poucos, o arranjo vai agregando elementos rítmicos e melódicos que aparecerão adiante, antecipando-os. Surge o motivo sincopado “ré-dó-mi-ré”, que é repetido quatro vezes, anunciando o tema. Ele é marcado pela entrada das duas vozes, do acompanhamento do piano e da moringa. O ritmo é sincopado; a dinâmica, forte. Os vocalizes lembram cantos ancestrais, reminiscentes de um possível cativeiro. A voz feminina realiza duas frases em pergunta e resposta (antecedente e consequente), enquanto a voz masculina repete o mesmo motivo quatro vezes, como um ostinato. As duas vozes se dissolvem em direção ao final da seção.
Na seção B, volta o clima melancólico da introdução. Entra o solo do garimpeiro, que entoa um recitativo em tom quase religioso, num ritmo flutuante cheio de lamento. A melodia é modal e tem contornos ascendentes e descendentes, desenhando duas frases. Ao final da primeira, aparecem o violão e a percussão de efeito, relembrando o tema da introdução. A segunda frase termina com o piano tocando o motivo “ré-dó-mi-ré”, transição para o retorno da seção A, agora modificada (A’). Surge uma modulação súbita, sem preparação, para um tom abaixo, e em seguida há o retorno para o tom original. O final também é súbito, com um corte seco.
Possibilidades didáticas
Garimpeiro é uma canção simples mas que articula inúmeros elementos musicais, favorecendo a vivência e o aprendizado de diversos conteúdos em um contexto musicalmente rico e expressivo. A variedade de elementos é realçada pelo contraste entre as seções A e B.
Quanto aos aspectos rítmicos, temos o pulso bem marcado na seção A e flutuante na seção B, ao sabor do lamento do garimpeiro. O mesmo vale para o apoio, ou acento métrico, também nítido na seção A e evasivo na seção B. O emprego de padrões rítmicos diferentes (contratempo e síncope na primeira seção e colcheias na segunda) realça o contraste de caráter e de fluxo rítmico entre as duas seções. Também se destacam o anacruse do tema (acéfalo) e o ostinato da voz masculina. Os elementos rítmicos podem ser realizados por instrumentos e batimentos corporais, em ação combinada entre pés e palmas.
O aspecto melódico apresenta grandes contrastes entre as duas seções. Na primeira, prevalecem notas repetidas dentro de uma extensão pequena, de maneira mais angulosa. As duas vozes cantam ora em quintas paralelas, ora em movimento contrário. Na sessão B, o garimpeiro canta solo; a melodia sobe e desce mais livremente e “redonda”. Do ponto de vista harmônico, a base da primeira seção é apenas o acorde de ré dórico, que permanece como um pedal; na segunda, o violão passeia dentro do ambiente modal.
Diferenças de textura (mais densa, mais leve), articulação (stacatto, legato) e mudanças de timbres também delineiam as seções.
Vários elementos podem ser trabalhados antes da apresentação da canção. Elementos do ritmo (pulso, apoio, compasso binário, contratempo, síncope, padrões rítmicos; pulso flutuante, acelerando, rallentando) podem ser explorados com batimentos corporais, arranjos com instrumentos de percussão, ação combinada, leitura, escrita e improvisação. Os alunos podem inventar (ou reproduzir) ostinatos vocais ou instrumentais.
Os elementos relativos às alturas (movimento ascendente, descendente, paralelo, contrário; grave e agudo; duas vozes, graus conjuntos, padrões escalares; modo dórico; pedal) podem ser trabalhados com vocalizes, treinamento auditivo e solfejos, escritos em notação gráfica e/ou convencional. Os alunos podem se alternar cantando as duas vozes. O ambiente modal pode ser apreendido por comparação com o tonal, a partir da escuta e da entoação de ambos.
A dinâmica segue o caráter expressivo das seções, variando do piano ao forte. O mesmo ocorre com as variações de textura e densidade (mais rarefeito, mais denso, solo x tutti). O trabalho com os timbres passa pela identificação dos mesmos e pela criação de arranjos e de sonoplastia. Os alunos podem escolher instrumentos adequados aos diferentes componentes sugeridos pelo tema do garimpo, como picareta, bateia, água; também vale criar climas expressivos contrastantes utilizando os mesmos instrumentos, a exemplo da moringa, que realiza percussão rítmica na seção A e de efeito na seção B. Se houver instrumentos melódicos, como xilofone ou flauta doce, estes podem realizar os baixos, bordões em quintas, por exemplo, e as melodias.
Elementos cênicos e históricos podem ser explorados a partir da letra da canção, da representação com personagens e trilha incidental (um coro de “escravos” e um solo de garimpeiro; sons de bateias e machadinhas). Discussões sobre o trabalho dos garimpeiros, noções de ecologia, preservação ambiental, qualidade e segurança no trabalho devem ser pontuadas. Vale também uma digressão para a obra de pintores como Portinari, Debret, Rugendas e outros, que retrataram cenas históricas.
O caráter expressivo deve ser enfatizado por meio do fraseado e da agógica, incluindo a percepção do significado das fermatas. O contraste entre o caráter enérgico e o melancólico deve ser explicitado. Os elementos que conferem ao estilo o toque regional, como a síncope e o modalismo, devem ser valorizados. Essa abordagem pode ser complementada pela apreciação de músicas modais, de caráter ancestral, que falem da escravidão, da labuta dos trabalhadores, bem como de músicas da MPB, como Canto de Ossanha e Berimbau, de Vinícius de Moraes e Baden Powell.
A estrutura das frases e seções, a forma ABA’, o ostinato, a relação melodia e acompanhamento, ou figura e fundo, são bastante nítidos. Pode-se colocar: como as partes são conectadas? Qual a relação entre a introdução e a parte central? Qual a diferença entre as seções A e A’? Qual o impacto da modulação? Qual a relação das partes com o todo? Qual o impacto expressivo da modulação direta? O que dizer da relação entre letra e música?
Enfim, por meio de atividades de performance vocal, corporal e instrumental (prática em conjunto coral e instrumental), apreciação, criação, improvisação e arranjo, inúmeros conceitos são aprendidos e vivenciados em um contexto musicalmente rico e significativo.
O aprendizado mais importante do ponto de vista musical é a compreensão de como os materiais sonoros são organizados para criar nuances de caráter em gestos expressivos que, por sua vez, articulam a forma musical (Swanwick, 1994). Sons se tornam música, incorporam expressividade, fazem brotar impressões, climas, sensações, emoções. Sugerem ansiedade ou monotonia, hesitação ou completude, confirmam ou quebram nossa expectativa. Pequenos milagres.
Referências:
FRANÇA, Cecilia Cavalieri. O som e a forma, do gesto ao valor. In: Hentschke e Del Ben (eds.). Ensino de Música: propostas para pensar e agir em sala de aula. Editora Moderna, 2003.
Referências:
FRANÇA, Cecilia Cavalieri. O som e a forma, do gesto ao valor. In: Hentschke e Del Ben (eds.). Ensino de Música: propostas para pensar e agir em sala de aula. Editora Moderna, 2003.
SWANWICK, Keith. Musical knowledge: intuition, analysis and music education. London: Routledge, 1994.
SWANWICK, Keith; TAYLOR, Dorothy. Discovering music: developing the music curriculum in secondary schools. London: Batsford Academic and Educational Ltd., 1982.
19 novembro 2010
Educação-musical-ambiental 1
Acho que sou uma educadora-ambientalista-musical, ou uma educadora-musical-ambientalista. Considero o “meio ambiente” um dos temas transversais mais prementes da educação. Além da construção de valores e atitudes responsáveis e conscientes com relação ao planeta, às cidades e aos cidadãos, cartilha de todo educador, podemos contribuir sobremaneira para a conscientização das crianças com relação ao que tem se chamado ecologia sonora. Não há aparelho auditivo que se conserve íntegro diante do incrível excesso de barulho das metrópoles, dos amplificadores dos shows ou dos fones-de-ouvido-24-por-dia.
A perda auditiva é um problema de saúde pública (veja, por exemplo, Cadernos de Saúde Pública, v.39-nº2, v.22-nº1, v.10-nº2). A contribuição do mau hábito de se ouvir música muito alta para esse quadro é decisiva. Quanto menos se escuta, mais se aumenta o volume. Somos agredidos constantemente por uma 'violência auditiva' que tem efeitos físicos e psicológicos alarmantes. Mas muitos nem se dão conta...
Murray Schafer já alertava para esse problema há 40 anos, com seu World Soundscape Project. Hoje, os conceitos “paisagem sonora” e “ecologia sonora” circulam em diversos núcleos, desde as ciências até a arquitetura. Como minimizar os ruídos indesejáveis dos centros urbanos? Com criatividade, tecnologia e educação. Como reduzir os decibéis das caixas de som? Com legislação, informação e educação. Como reinventar a escuta? Com silêncio, limite e educação. Para desenvolvermos uma 'escuta sustentável', educação é tudo.
Toda 6ª feira será dia de Educação-musical-ambiental aqui no blog. Acredito que noções de ecologia sonora, acústica, tecnologia e cidadania podem permear um trabalho calcado no desenvolvimento de uma relação de amor com o planeta e com todos os seres viventes. É por aí que quero começar esse tema, por meio das músicas Mapa e Pele.
Clique para ouvir Mapa: http://dl.dropbox.com/u/15280243/9%20Mapa.wma
Vozes: Cecília, José Lucas, Fernanda e coro (Verenna, Giovanna e Nathalia)
Vozes: Cecília, José Lucas, Fernanda e coro (Verenna, Giovanna e Nathalia)
Clique para ouvir Pele: http://dl.dropbox.com/u/15280243/Pele.wma
Voz: Sérgio Pererê, do Grupo Tambolelê
Voz: Sérgio Pererê, do Grupo Tambolelê
As imagens estão disponíveis para impressão no final, lá embaixo (abra o link, clique na imagem e depois em "visualizar impressão" para escolher o tamanho desejado).
É possível ouvir o silêncio?
O que são ondas sonoras?
Aguardem as respostas na próxima semana.
Aguardem as respostas na próxima semana.
18 novembro 2010
Os nomes das notas musicais - Atividades 1
O automatismo das ordenações dos nomes notas musicais é uma das ferramentas básicas da leitura musical. Para mim não existe maneira mais musical e impactante de abordar esse conteúdo do que com a escuta do arranjo da música Minha Canção, que integra a trilha de Os Saltimbancos, versão de Chico Buarque para o original de Enriquez e Bardotti, inspirado no conto Os músicos de Bremen dos Irmãos Grimm. De imediato, diversão: os personagens - quatro animais - expõem seu (des)conhecimento a respeito das notas musicais. O burro, compenetrado e inteligente, ensina-os, então, a entoar uma escala, que é apresentada com delicadeza e elegância pela flauta. Em seguida o grupo canta a escala com os nomes das notas e, depois, com a letra-pura-poesia. Assim, as crianças compreendem para que servem as notas musicais: para formar melodias as partir de infinitas combinações e podermos viajar nos contornos sonoros. Gosto de apresentar a letra da canção como mostrado na ilustração, em movimento ascendente e descendente, e não da forma convencional, de cima para baixo (lá embaixo você encontra um link para imprimir esta figura (abra o link, clique na imagem e depois em "visualizar impressão" para escolher o tamanho desejado).
A apreensão da ordenação dos sete nomes em sequência é imediata e muitas crianças já trazem-na assimilada. O que precisa ser trabalhado é o automatismo em pequenos blocos e em duplas de notas vizinhas. Os jogos com cartões e cartelas favorecem e consolidam o automatismo das ordenações das notas devido à sua natureza visualmente concreta. Com um conjunto de dez fichas de cada nome de nota e algumas cartelas e cartazes podem ser feitos vários jogos. É importante eles que sejam utilizados paralelamente a atividades que envolvam a verbalização de sequências de notas juntamente com batimentos corporais (palmas ou batidas nas pernas), atividades com bola, nos instrumentos melódicos e, principalmente, com a performance de canções e peças que apresentem tais padrões em graus conjuntos, como O sabiá, da Carmem Mettig, Maria Fumaça e Lobo Mau, de minha autoria. Você pode ouvir a música Lobo Mau no seguinte link:
http://dl.dropbox.com/u/15280243/Lobo%20mau.wma . Role até o final do blog, e lá embaixo você encontrará uma página com esta atividade para imprimir (clique na imagem e depois em "visualizar impressão", para ajustar o tamanho).
Nos jogos sugeridos em seguida, as notas são apresentadas primeiro em uma disposição vertical e depois em diagonal. A disposição diagonal envolve a compreensão de duas dimensões simultâneas: a do intervalo entre as notas e a seqüência temporal melódica das mesmas, o que representa um importante pré-requisito para a leitura.
Nos jogos sugeridos em seguida, as notas são apresentadas primeiro em uma disposição vertical e depois em diagonal. A disposição diagonal envolve a compreensão de duas dimensões simultâneas: a do intervalo entre as notas e a seqüência temporal melódica das mesmas, o que representa um importante pré-requisito para a leitura.
O professor distribui fichas para os alunos preencherem
o edifício (deve-se começar também pelo topo do arranha-céu para se trabalhar também o automatismo descendente). Depois de preenchido o edifício, os alunos devem falar toda a seqüência em movimento ascendente e descendente. Gradativamente, o professor vai retirando algumas fichas do cartaz até que eles reproduzam toda a sequência de memória.
JOGO DO CONDOMÍNIO
KUALA LUMPUR
Kuala Lumpur é o nome da capital da Malásia, cidade onde se situa um dos edifícios mais altos do mundo. Este jogo destina-se às ordenações em terças. O edifício apresenta 28 andares vazios dispostos alternadamente à esquerda e à direita. Cada aluno recebe cinco fichas. Sorteia-se uma ficha para iniciar o edifício e esta é colocada no primeiro espaço, à esquerda. O próximo aluno coloca a devida nota no espaço subindo à direita, e assim por diante, até se completar todo o edifício. Se ninguém tiver a nota necessária, o professor poderá buscá-la no monte de fichas. Quando o edifício estiver completo, os alunos deverão falar a seqüência das notas dispostas à esquerda e depois à direita, verbalizando, assim, a sequência de terças formada em cada coluna vertical.
PARECE MAS NÃO É
VIZINHANÇA
Este jogo consiste de um circuito para ser preenchido com nomes de notas, subindo e descendo. Cada participante recebe dez fichas e, em cada rodada, posiciona uma delas em um local apropriado, conforme as referências que se encontram espalhadas na imagem. Pode ser preciso comprar fichas no monte. É permitido posicionar fichas em terças, ou mesmo em outros intervalos. Vence quem terminar suas fichas primeiro.
Você pode imprimir este jogo em tamanho A4 abrindo o link lá embaixo. Clique na imagem e ajuste o tamanho no menu "visualizar impressão".
Você pode imprimir este jogo em tamanho A4 abrindo o link lá embaixo. Clique na imagem e ajuste o tamanho no menu "visualizar impressão".
17 novembro 2010
Por que nos ocuparmos com educação musical? - Fundamentos 1
Graças ao trabalho do Grupo de Articulação Parlamentar “Quero educação musical na escola”, que reuniu milhares de artistas e educadores de todo o país, foi homologada em agosto de 2008 a Lei 11.769[1], que tornou a música “conteúdo obrigatório, mas não exclusivo”, do ensino de Arte (Art. 26, § 6º). Essa determinação deve ser cumprida até o segundo semestre de 2011 (Art. 3º). Embora a aprovação da lei tenha sido uma vitória, a música ainda permanece como conteúdo, não como disciplina, e “subordinada ao campo mais amplo e múltiplo das artes”[2]. A decisão sobre a modalidade artística continua sendo delegada às escolas. Por vezes, as áreas concorrem entre si; em outras, a opção por uma ou outra é balizada pela oportunidade ou disponibilidade de tal profissional, e nem sempre substanciada no projeto pedagógico das escolas.
Por que ensinar música, uma prática social universal, unânime, tão antiga quanto o próprio homem, que canta, dança, assovia, bate palmas, marcha, celebra, diverte-se, acalma-se, anima-se, chora e ri ao longo de toda a sua vida? Se a música faz parte da rotina das pessoas, por que espremê-la numa grade curricular já tão concorrida? Bem, pelo mesmo motivo que valida a inclusão das demais disciplinas como química, física ou matemática. Disciplinas escolares são sistematizações de práticas humanas e representam diferentes maneiras de nos relacionarmos com o mundo, de compreendê-lo e nele intervir. Valendo-se do senso comum ou do conhecimento tácito e intuitivo, cozinheiras praticam química quando testam o fermento dos bolos; motoristas praticam física quando desaceleram para dobrar a esquina; camelôs praticam matemática quando negociam com o freguês. Mas o propósito da educação formal é avançar além do senso comum por meio das várias janelas pelas quais o conhecimento se manifesta. Música é uma dessas janelas, uma área de conhecimento muito mais complexa do que julga o senso comum.
Atividades rotineiras como ouvir música, decorar, cantar e dançar envolvem habilidades sensoriais, perceptivas, físicas, cognitivas e expressivas altamente refinadas. Com base nos avanços tecnológicos dos exames de neuroimagem, a neurociência qualifica a música não como atividade periférica, eventual ou decorativa, mas essencial na vida humana, fruto de uma longa adaptação evolutiva. Genes “musicais” podem ter sido selecionados no decorrer da evolução graças aos benefícios trazidos por essa prática na promoção do bem-estar, da reprodução e da sobrevivência da nossa espécie[3]. Pesquisadores acreditam que a música seja uma fonte primordial de prazer para o nosso cérebro. A ela são creditadas nossas primeiras memórias, registradas já na vida intra-uterina, e também as últimas lembranças, aquelas que permanecem quando todas as outras já se dissiparam.
Hoje, computadores monitoram ao vivo e a cores o cérebro de músicos em funcionamento, revelando as regiões devotadas ao processamento musical. Sabe-se que diferentes centros neurais processam diferentes tipos de informações sonoras. A prática musical afeta tanto a morfologia quanto a fisiologia cerebral, tornando o cérebro do indivíduo praticante diferente dos daqueles que não o fazem[4]. A metade anterior do corpo caloso é significantemente maior em músicos, especialmente naqueles que começaram o treinamento musical antes dos sete anos de idade[5]. Sabe-se também que quanto mais diversificada a prática musical, mais abrangentes e consistentes as conexões entre diferentes regiões corticais[6]. Há duas décadas, Gardner (1983) defendia o status da música como um tipo específico de inteligência, uma competência relativamente autônoma que se desenvolve espontaneamente na primeira infância[7]. Mas se a predisposição à música é inata, o papel do ambiente é cultivá-la. Inúmeras habilidades se desenvolvem espontaneamente nos primeiros anos de vida. Porém, a partir dos anos escolares, o ritmo desse desenvolvimento declina se não houver o devido estímulo do ambiente[8].
Correntes de filosofia e de sociologia também endossam a prática musical na formação do indivíduo. Música é uma forma simbólica peculiar, com sua maneira específica de articulação, reflexão e exposição de ideias e significados. Ela é um campo do conhecimento no qual a expressão é múltipla, o que permite à criança exercitar a criatividade, tomar decisões e exercer sua autonomia. Além dos ganhos musicais propriamente ditos, existem outros inegáveis no que tange à capacidade de abstração, percepção, imaginação, comunicação e socialização. Certamente, por meio da música inauguram-se novas possibilidades de expressão simbólica para o individuo, modos de dar forma à percepção subjetiva do mundo, de conhecer a si mesmo e de construir outros mundos possíveis, imaginários. A música se revela, ainda, como forte elemento de construção, manifestação e ressignificação da identidade do indivíduo[9]. A partir da música que se ouve – ou se pratica – podem-se desfiar biografias e autobiografias, visitar memórias e resgatar, para muitos, impressões do próprio “eu”. Jovens assumem o gosto musical (e também a rejeição) quase como uma bandeira de time de futebol. Gostar de tal banda, tal cantor ou estilo fazem-nos parte de uma tribo, na qual só entram afins. O problema é que, muitas vezes, tais escolhas não ocorrem por opção, mas por falta de opção. O “gosto” é moldado pela indústria cultural, que cria e repete fórmulas banais, hits que “grudam” na memória, a qual, por sua vez, passa a rejeitar modelos que demandem uma escuta consciente e autônoma. Quando o leque de opções de escuta se abre, amplia-se o horizonte estilístico. As escolhas passam a ser qualificadas.
Se a atividade musical cotidiana, além de prazerosa, pode render tantos dividendos, o que dizer da prática mais sistemática e diversificada, que contemple a criação musical, a escuta variada, o entendimento dos diferentes processos de produção musical, das funções da música em diferentes contextos e espaços, a experiência de tocar um instrumento (ainda que feito de sucata), de ser parte de um grupo musical, de opinar, escolher, crescer dentro de um universo sonoro ilimitado? Ecoando Delors[10], todo aluno merece a oportunidade de aprender a ser, conviver, conhecer, fazer, desenvolver habilidades e competências, dominar linguagens, compreender fenômenos, construir argumentações, solucionar problemas em música. Dentro do currículo, ela dialoga com todas as outras áreas do conhecimento, instigando projetos transdisciplinares, pois toda peça musical é um produto social, cultural, temporal, contém relações matemáticas, espaciais e acústicas, permitindo incursões pela história, geografia, religião, ciência, artes, dança, cinema e cultura. Música está em toda parte. Exatamente por essa razão, deve ocupar seu lugar na Educação Básica.
[1] BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases (1996). Sanção da Lei nº 11.769. Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 19 ago. 2008. Seção 1. p. 1-2.
[2] PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. Porto Alegre: Editora Sulina, 2008, p.133.
[3]TREHUB, Sandra. Musical predispositions in infancy: an update. In: PERETZ, I; ZATORRE, R (Org.). The cognitive neuroscience of music. New York: Oxford University Press, 2003. p. 3-20.
[4] PASCUAL-LEONE, A. The brain that makes music and is changed by it. In: Peretz, I; Zatorre, R (Org.). The cognitive neuroscience of music. New York: Oxford University Press, 2003. p. 396-409.
[5] SCHLAUG, G. The brain of musicians. In: PERETZ, I; ZATORRE, R (Org.). The cognitive neuroscience of music. New York: Oxford University Press, 2003. p. 366-381.
[6] ALTENMULLER, E. How many music centers are in the brain? In: PERETZ, I; ZATORRE, R (Org.). The cognitive neuroscience of music. New York: Oxford University Press, 2003. p. 396-409.
[7], GARDNER, Howard. Frames of mind: the theory of multiple intelligences. London: Fontana Press, 1983.
[8] SWANWICK, Keith. Musical knowledge: intuition, analysis and music education. London: Routledge, 1994.
[9] FRITH, Simon. Music and identity. In: HALL, Stuart; GAY, Paul du. Questions of cultural studies. London: Sage, 1996. p. 108-117. MACDONALD, R.; HARGREAVES, D.; MIELL, D. Musical identities. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 1-20.
[10] DELORS, Jaques (Coord.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez / Brasília – DF: MEC; Unesco, 2004.
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